
Theodor Herzl, sentado à sua escrivaninha com um olhar intenso e decidido, contemplava o papel em branco à sua frente. Ele sentia o peso da responsabilidade que havia assumido. A ideia que fervilhava em sua mente era ousada, arriscada e, talvez, até mesmo perigosa. Mas ele estava disposto a enfrentar tudo isso.
Decidido a transformar sua visão em realidade, Herzl começou a rabiscar as primeiras palavras daquela que se tornaria uma peça de teatro revolucionária, intitulada “The New Ghetto”. As palavras fluíam de sua caneta com uma urgência que ele nunca havia experimentado antes.
À medida que o enredo tomava forma, Herzl se viu imerso em um dilema profundo. O personagem principal de sua peça, um judeu chamado Jakob Samuel, representava a angústia e a luta de todos os judeus. Jakob estava preso em um novo gueto, não mais construído de tijolos e pedras, mas invisível e arrebatador, que o impedia de viver plenamente.
Enquanto Herzl escrevia, as palavras fluíam como um rio turbulento, refletindo seus próprios tormentos. O dilema do judeu no novo gueto era, afinal, o dilema de sua própria vida. Jakob Samuel no clímax da peça proclamava com desespero: “Oh judeus, meus irmãos, eles não te deixarão viver novamente até que aprendam a morrer…Eu quero sair… Sair do gueto!”
Essas palavras ressoavam na mente de Herzl, como um eco sombrio de uma verdade incômoda. Ele via Jakob Samuel como uma representação vívida da luta judaica, uma luta que parecia não ter solução, a não ser a morte. O dilema era angustiante, e Herzl sentia o peso do que estava prestes a criar. “Será que estou fazendo a coisa certa ao expor nossas feridas dessa maneira? ”
As palavras de seu amigo Arthur Schnitzler ecoavam em sua mente, como um eco constante: “Houve um tempo em que os judeus foram queimados na fogueira aos milhares. Eles aprenderam a morrer, com certeza, e mesmo assim nunca lhes foi permitido viver. Pare de pensar na morte, você precisa pensar na vida.”
Herzl ponderou sobre essas palavras, sentindo o peso da responsabilidade que estava assumindo. Ele sabia que sua peça tinha o potencial de provocar controvérsias e até mesmo raiva. Ele releu a carta que estava escrevendo: “Estas palavras não são apenas parte de uma peça, Arthur. São uma denúncia de nossa condição. Se não enfrentarmos a realidade, como poderemos encontrar uma solução?”
As memórias invadiram sua mente. A lembrança de quando, ainda menino, abandonara uma aula devido ao antissemitismo de seu professor. A vez em que deixou a associação acadêmica “Albia” porque a diretoria decidira não mais aceitar judeus. Os insultos que ouvira nas ruas: “Hepp, Hepp Jude”. Em Salzburgo, já formado em direito, quando decidiu abandonar sua carreira de advogado, pois compreendeu que, como judeu, nunca alcançaria o posto de juiz.
Irritado, Herzl jogou sua caneta com força, e o objeto colidiu com uma garrafa de vinho que repousava em algum canto do quarto, produzindo um som abafado. Paul Lobel, seu primo que residia na Palestina Otomana, havia lhe enviado a garrafa de vinho com notícias sobre as precárias colônias agrícolas que tentavam revitalizar a terra.[1]
Amargurado, Herzl recordou das duras palavras que havia escrito para o jornal francês NFP há um ano: “Os judeus há muito tempo deixaram de ser um povo…e não têm mais nada a ver com a pátria histórica… se eles retornassem lá um dia, no dia seguinte descobririam que há muito tempo deixaram de ser um povo.”[2] O povo judeu estava disperso, dividido, fraco e amedrontado. As suas próprias palavras queimaram em sua mente: “Se não enfrentarmos a realidade… como podemos encontrar uma solução…“
Movido pela urgência de seus pensamentos, Herzl levantou-se abruptamente e saiu de casa, determinado a enfrentar os desafios que se apresentavam diante dele.
O que exatamente pensou Theodor Herzl nessas horas, ninguém sabe. Será que recordou de conversas com seu pai e avô, acerca de ideias de um rabino de Semlin? Por que será que ele foi justamente para sinagoga, pela primeira desde que chegou em Paris?
“Pensei que, através dessa erupção de escrita teatral, eu me libertaria do assunto. Pelo contrário; eu me envolvi cada vez mais profundamente com ele. O pensamento cresceu em mim de que eu precisava fazer algo pelos judeus.“ Escreveu Herzl no diário, “Pela primeira vez, fui à sinagoga na Rue de la Victoire e novamente encontrei os serviços festivos e emocionantes. Muitas coisas me lembraram minha juventude e o templo na Rua Tabak em Budapest.”
A partir desse momento, tudo estava pronto para o “retorno ao lar”. Como um casulo, que parece estar congelado e morto, mas se abre nas cores brilhantes de uma borboleta, Herzl estava prestes a emergir finalmente de sua melancolia. No final de sua carta a Schnitzler, ele afirma que realmente aprendeu a viver: “Nunca em minha vida estive em um estado de ânimo tão alegre. Não penso na morte, mas em uma vida cheia de atos ousados.”[3]
A chama inextinguível dentro de Herzl estava pronta para iluminar o caminho de uma jornada que mudaria para sempre o destino do povo judeu. Theodor Herzl havia despertado.[4]
[1] Em setembro de 1894 Herzl recebe do seu primo uma garrafa de vinho da Palestina. Anos depois, ele recorda deste fato, mesmo que na época não deu grande importância: “Der Judenstaat may have been in that bottle”.
[2] NFP, Out 6, 1894
[3] Herzl to Schnitzler, Jun 23, 1985
[4] O despertar de Herzl é muito discutido pelos historiadores. Algumas citações interessantes: Em 1895, 1 anos antes da publicação do livro, Herzl escreve no diário: “How i proceeded form the idea of writing a novel to a pratical program is already a mistery to me, although it happened within the last few weeks. It is in the realm of the Unconscious.”.
“I was struck by lightning to become the Knight of God” – Herzl to Tweles, 1895
“At the time I was still a sacrcastic Jew. But I have been turned totally upside-down” – Herzl to Hinrichsen 1896
“I was indifferent to my Jewishness; let us say that it was benath the level of awareness… How did I discover it? I do not Know” – Herzl to Rabbi Gudemann 1895.
Em 1897, logo antes do primeiro congresso sionista, Herzl escreve para Reuven Brainin “You ask me: How did I become a Zionist? God alone knows. Apparently, the idea developed unconsciusly”.


