–MORT AUX JUIFS!
-MORTE AOS JUDEUS!

Os gritos ecoavam pelas ruas de Paris, como um cântico sinistro entoado por uma multidão enfurecida. As vielas da cidade estavam envoltas em uma atmosfera carregada de tensão naquela manhã de inverno. A neve caía lentamente dos céus cinzentos, como se a própria cidade estivesse prestes a mergulhar em um mundo de sombras e segredos obscuros. Nas esquinas e praças, os murmúrios inquietantes dos parisienses se transformavam em gritos de raiva que ecoavam por entre os edifícios centenários.
No coração dessa tempestade que se formava, encontrava-se o pátio de um tribunal militar, onde um drama de proporções épicas estava prestes a acontecer. Um jovem oficial do exército francês, o Capitão Alfred Dreyfus, permanecia no banco dos réus, cercado por soldados rígidos e oficiais condecorados. Seus olhos estavam fixos no juiz, mas sua expressão era de descrença e angústia.
As acusações que pairavam sobre Dreyfus eram graves e devastadoras. Ele era acusado de alta traição, de ter vendido segredos militares franceses para uma nação estrangeira. As evidências contra ele eram circunstanciais, baseadas em documentos comprometedores encontrados em um cesto de lixo da embaixada alemã, documentos que supostamente haviam sido passados por Dreyfus.
O julgamento de Dreyfus havia se tornado um espetáculo público, uma demonstração do poder do exército francês em ação. A multidão que se reunia do lado de fora do tribunal não estava ali apenas para buscar justiça, mas para expressar sua ira e desconfiança em relação ao réu. As palavras “Morte aos Judeus!” e “Morte a Dreyfus!” eram proclamadas com fúria, ecoando pelas ruas estreitas da cidade.
Dreyfus, um homem de origem judaica, tornara-se o bode expiatório de um país assolado pelo antissemitismo. Seu julgamento era mais do que um mero procedimento legal; era uma batalha travada nas entranhas da sociedade francesa, uma batalha pela alma da nação.
À medida que as testemunhas eram chamadas a depor, as sombras da conspiração começaram a emergir. A evidência era frágil, e muitos observadores atentos começaram a suspeitar que Dreyfus estava sendo usado como um bode expiatório para encobrir os erros de outros. Ainda assim, a pressão da opinião pública era avassaladora, e o veredito parecia selado.
O Capitão Dreyfus, apesar de sua coragem e dignidade durante o julgamento, estava prestes a ser condenado à prisão perpétua na Ilha do Diabo, uma colônia penal remota na Guiana Francesa. O mundo observava, perplexo e horrorizado, enquanto a justiça se curvava perante as forças das trevas do preconceito e da intolerância.
Enquanto Paris mergulhava mais fundo na noite, uma figura em particular acompanhava esses eventos com grande inquietação. Theodor Herzl, o jornalista austríaco que residia na cidade, testemunhava a tormenta que se desenrolava diante de seus olhos. O caso Dreyfus provara suas convicções e o impelia a continuar com seu trabalho sobre a “Questão Judaica”.
As palavras de Herzl, que ecoariam pelos corredores da história pela eternidade, começaram a ganhar forma em sua mente. Nas páginas do livro que começara a escrever, Herzl delineara sua visão audaciosa para o estabelecimento de um Estado judeu independente. Aqui, em suas palavras, estava a resposta para a pergunta que assombrara gerações de judeus: um refúgio seguro e uma nação própria. Era uma visão que transcendia as fronteiras de sua época, destinada a ecoar através das décadas e inspirar inúmeras gerações vindouras.
O sionismo, renascido das profundezas de seu coração e mente, estava prestes a se tornar uma força imparável. Essa força moldaria o destino do povo judeu e deixaria uma marca na história. E assim, o livro que Herzl estava prestes a escrever, intitulado “Der Judenstaat – o Estado Judeu“, seria o primeiro passo de uma jornada épica. Era o chamado para o despertar do povo judeu, instigando-o a abandonar o longo exílio e buscar a realização de seu destino em uma terra que poderiam finalmente chamar de lar. À medida que as páginas de sua visão ganhavam vida, elas ecoariam nos corações de milhões, acendendo a chama da esperança e da autodeterminação.
Herzl ainda não sabia, mas o sionismo estava destinado a se transformar na principal força motriz de Am Israel, unindo os judeus em uma busca coletiva de liberdade e redenção. Os dados haviam sido lançados. Depois de 2000 anos de espera, finalmente o futuro estava pronto para revelar os derradeiros passos que aguardavam o povo judeu em sua gloriosa jornada rumo a terra prometida.
“A ideia tem que voar até as habitações mais miseráveis em que vive nossa gente. Despertarão os judeus de sua sonolência. Posto que, a vida de cada um dos nossos se encherá de conteúdo novo. Cada um só precisa pensar em si mesmo e, dessa forma, colunas intermináveis serão formadas. E que glória aguarda os que lutam pela causa sem interesse pessoal!
Por isso estou convencido de que surgirá, da terra, uma estirpe de judeus admirável. Ressurgirão os Macabeus!
Repetimos as palavras expressas ao princípio: Os judeus que o quiserem, terão seu Estado.
Viveremos, afinal, como homens livres em nossa própria terra natal e morreremos serenamente em nossa pátria.
O mundo se libertará com nossa liberdade, se enriquecerá com nossa riqueza e se engrandecerá com nossa grandeza. E aquilo que ensaiamos em benefício próprio terá efeitos poderosos e felizes em prol de toda Humanidade.”
Der Judenstat, Epílogo
Fim da Parte I “O Despertar”.
Parte II: “Um povo?”


