“Por algum tempo, tenho estado ocupado com uma obra de grandeza infinita. No momento, não sei se vou levá-la até o fim. Parece um sonho poderoso. Mas por dias e semanas, ela me possuiu além dos limites da consciência; ela me acompanha onde quer que eu vá, paira por trás das minhas conversas comuns, olha por cima do meu ombro para o meu trabalho jornalístico ridiculamente trivial, perturba-me e me intoxica.” – Diário de Herzl, 1895.

“Quando “O Estado Judeu” – este livreto pequeno, mas carregado da força de uma flecha de aço em pleno voo – foi publicado, eu era apenas um estudante no ginásio. Contudo recordo-me bem da perplexidade e indignação gerais que causou nos círculos burgueses judaicos de Viena. Os judeus questionavam desconcertados: “O que se passou com este escritor, normalmente tão ponderado, divertido e erudito? Que delírios ele está a proclamar? Por que deveríamos ir para a Palestina? Nosso idioma é o alemão, não o hebraico; nossa terra é a linda Áustria. Estamos acaso insatisfeitos sob o reinado do benevolente imperador Francisco José? Não gozamos de nossa merecida prosperidade e segurança? Não somos cidadãos com direitos equivalentes aos demais? Não estamos integrados e devotados a esta amada Viena? Não estamos na era do progresso, que dia após dia desmantela preconceitos religiosos? Por que Herzl, ao falar como um judeu em defesa do judaísmo, daria munição aos nossos maiores adversários, buscando nos isolar quando cada dia nos vincula mais intimamente ao universo germânico?”
Os rabinos vociferavam nos púlpitos; o diretor da “Neve Freie Presse” proibiu que em seu jornal “progressista” se mencionasse sequer a palavra sionismo. O cínico literário de Viena, Karl Kraus, satirizou em sua fábula “O Rei de Sião”, e quando Theodor Herzl aparecia no teatro, era recebido com zombarias de “Eis Sua Majestade”.
No primeiro momento Herzl pôde sentir-se mal compreendido; Viena, onde ele se julgava mais seguro, o abandonara ou até se ria dele. Mas, em seguida, retumbou subitamente a resposta com tal violência e êxtase que ele quase se assustou de, com algumas dúzias de páginas, haver provocado no mundo um movimento tão poderoso e de tão grande irradiação. Esta resposta não veio dos judeus burgueses ocidentais, acomodados em sua prosperidade, mas sim das vastas massas judaicas do Leste, do proletariado aprisionado nos guetos da Galícia, Polônia e Rússia. Sem pressentir, Herzl com seu livro inflamou o fogo do judaísmo que ardia sob as cinzas da diáspora, o milenar sonho messiânico da promessa, confirmada nos Livros Sagrados, do regresso à Terra prometida. Essa esperança e, ao mesmo tempo, certeza religiosa, eram os únicos sentimentos que ainda davam sentido à vida desses milhões de entes oprimidos e escravizados. Sempre que um indivíduo, profeta ou farsante, nos dois mil anos da maldição que pesa sobre o povo judeu, tangeu esta corda sensível, a alma de todo esse povo vibrou, porém nunca com ressonância tão ruidosa, tão retumbante. Com algumas dúzias de páginas um só homem havia formado de uma massa dispersa e desunida, uma única unidade.“
Texto escrito por Stefan Zweig (1881-1942). Um distinto escritor judeu austríaco, notório por suas novelas, biografias e ensaios que exploram temas como paixão, destino e os dilemas entre ideais individuais e coletivos. Em resposta à ascensão do nazismo, Zweig optou pelo exílio, fixando-se no Brasil. No entanto, angustiado com a expansão do totalitarismo na Europa, decidiu pôr fim à própria vida junto de sua esposa em 1942.
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Bem-vindos à Europa no crepúsculo do século XIX, um continente no limiar de transformações monumentais. As ruas de suas cidades fervilham com o zumbido da modernidade, enquanto o velho mundo e suas tradições colidem com novas ideias e movimentos emergentes.
Nesta segunda parte do livro, mergulhamos nas correntes que atravessavam a comunidade judaica no final do século XIX. Exploraremos com personagens fictícios as vidas, os debates e as decisões que foram moldadas pelo sonho de Herzl e pelo contexto tumultuado em que emergiram. Prepare-se para uma viagem através de perspectivas divergentes e histórias entrelaçadas, enquanto tentamos desvendar como uma ideia pode inflamar um povo inteiro e alterar o curso da própria história.

