
“Mentshn trakht , un Got lakht.” Gritou em Idish um homem apontado para o livro proibido no centro da mesa. “As pessoas planejam, Deus ri.”
A sala estava repleta de líderes do Bund[i], o Movimento dos Trabalhadores Judeus, que se reuniam em segredo em uma pequena taverna nos arredores de Varsóvia. Era uma noite abafada, e a fumaça dos cigarros pairava no ar enquanto os homens debatiam acaloradamente. Sentados em torno de uma mesa de madeira rústica, eles compartilhavam um sentimento unânime: seu ódio profundo pelos sionistas e pelo que chamavam de “a ilusão do Estado Judeu”.
O líder do grupo chamava Moishe Abramovitch. Ele era um homem de meia-idade com uma barba espessa e olhos determinados e cada palavra exibia sua convicção: “Deus não ri, porque ele não existe. Nós não acreditamos nessas besteiras. O comunismo é o nosso deus.”
As pessoas em volta da mesa concordaram. O movimento Bundista era muito popular entre os judeus pobres do leste europeu, que haviam abandonado a religião dos seus antepassados e abraçado a causa socialista. Entre eles, havia um jovem chamado David Abramovitch, irmão mais novo do líder Moishe. Eles haviam estudado juntos na infância em um ‘Cheider’, ouvido as palavras da Torá, mas de nada adiantará para protegê-los da pobreza e perseguições. Seu irmão virou um ardente Bundista, e David acabou sendo levado junto. No entanto, ele começava a duvidar desses ideais à medida que crescia. Sentia o ódio dos não judeus em relação a eles e, mais do que isso, questionava se abandonar suas raízes culturais e religiosas era o caminho certo.
“Companheiros, a ameaça do sionismo está crescendo”, declarou Moishe com determinação. “Theodor Herzl e seus seguidores estão ganhando terreno entre os judeus, e nossa missão é impedir que suas ideias se espalhem.”
O ambiente tenso da reunião refletia a crescente preocupação entre os Bundistas. Eles viam o sionismo como uma distração perigosa para a verdadeira luta que acreditavam ser necessária: a revolução socialista. Para eles, a ideia de um Estado judeu era um desvio do caminho que levaria à emancipação e igualdade dos judeus por meio da revolução.
David ouviu essas palavras com descrença. Enquanto Moishe Abramovitch afirmava que o comunismo era seu deus, David se viu mergulhado na memória de outro Moisés, o líder que havia conduzido o povo à libertação da escravidão. “Igualdade”, pensou ele, “será que o comunismo vai oferecer isso de verdade? E se a solução for termos um país, como esses sionistas falam? Não seria mais sensato buscar a igualdade dentro do nosso próprio povo? E se a verdade sempre esteve diante dos nossos olhos, a jornada do povo hebreu em direção a terra prometida?”
Mikhail, outro líder do Bund, ergueu a mão para falar. “Nós sabemos que Herzl e seus seguidores estão ganhando apoio financeiro e político na Europa Ocidental. Eles estão se aproximando do poder, e precisamos agir com rapidez.”
Os líderes do Bund concordaram que era hora de intensificar seus esforços para combater o sionismo. Eles haviam testemunhado comunidades serem arrastadas pelo ímpeto sionista, com jovens judeus abandonando a luta comunista em busca de uma suposta terra prometida. Para os Bundistas, isso era inaceitável.
Eles também compartilhavam uma crença firme de que o idishe era a língua do povo judeu, a língua da vida cotidiana, e eles se opunham firmemente ao uso do hebraico pelos sionistas. Enquanto alguns seguidores de Herzl abraçavam o hebraico como língua nacional, os Bundistas viam isso como uma tentativa de impor uma nova ordem, distante das raízes culturais do povo trabalhador.
“No iídiche nós nos comunicamos, cantamos, rimos e choramos”, declarou Moishe Abramovitch com paixão. “É a língua que une nosso povo, e não vamos permitir que ela seja substituída pelo hebraico dos sionistas.”
À medida que a reunião continuava, os líderes do Bund traçaram planos para difundir suas ideias socialistas entre os judeus, oferecendo uma alternativa à visão sionista. Eles estavam dispostos a lutar com unhas e dentes para garantir que a verdadeira redenção dos judeus viesse por meio da revolução socialista, e não por um Estado judeu na Palestina.
David observou enquanto os líderes do Bund discutiam seus planos, relembrando as estratégias que haviam empregado no passado para combater a religião. Cartazes proclamando que “Deus estava morto” e que a religião era “o ópio do povo” haviam sido a arma deles para minar a influência das crenças religiosas. Agora, a batalha era contra os sionistas, e David começava a questionar se essa luta estava verdadeiramente alinhada com seus valores.
“Primeiro, atacaram nossos irmãos religiosos. Agora, atacam nossos irmãos sionistas. Se esta é a luta pela igualdade, eu prefiro lutar pelo respeito à diferença.” David ergueu-se abruptamente, a cadeira rangendo sob o peso de sua decisão. Com um olhar determinado, ele se afastou da mesa e, na escuridão da noite seguinte, fugiu escondido, levando consigo a cópia do livro proibido “O Estado Judeu”. Seu coração pulsava com uma mistura de medo e esperança enquanto ele partia em busca dos sionistas, em direção a um futuro incerto, mas um futuro onde acreditava que o respeito à diferença e a unidade do povo judeu poderiam coexistir.
[i] Bund (Movimento dos Trabalhadores Judeus): Fundado em 1897 na cidade de Vilnius, na atual Lituânia, o Bund foi um movimento socialista e secular que defendia os direitos dos judeus trabalhadores no Império Russo e, mais tarde, na Polônia. O Bund se opunha ao sionismo, acreditando que os judeus deveriam buscar igualdade e direitos como uma minoria nacional em seus países de residência, em vez de emigrar para uma pátria nacional. A organização promovia o uso do iídiche como língua do povo judeu e desempenhou um papel significativo na vida cultural e política judaica na Europa Oriental até a Segunda Guerra Mundial onde quase todos foram exterminados pelos nazistas.

