Capítulo 9 – O Poeta ‘Assimilado’

Joseph Goldschmidt, um respeitado professor universitário e judeu vienense, caminhava a passos lentos em direção ao “Café Central”. Ele estava ciente da situação privilegiada dos judeus em Viena, especialmente depois que o Imperador Franz Joseph I concedeu a eles direitos iguais. Mas, por outro lado, as ideias de Herzl mexiam com ele de maneira que ele não conseguia explicar.

O café estava movimentado, como sempre. Ao entrar, foi saudado por um burburinho de vozes. Encontrou sua mesa habitual ocupada por seus amigos judeus mais próximos: Mátyás, o violinista; István, o jornalista; e Lajos, o médico.

Eles já estavam imersos em debate. István, com seu habitual tom sarcástico, disse: “Herzl quer nos tirar de uma das cidades mais belas do mundo e nos mandar para o deserto? Ele enlouqueceu?”

Mátyás, sempre o cético, acrescentou: “Nós lutamos tanto para ser aceitos aqui. Nós lemos Goethe, assistimos a ópera, e agora somos convidados a abandonar tudo isso? Para quê?”

Dovid, um jovem poeta iluminista que acabara de se juntar à mesa, rebateu: “Não é apenas sobre abandonar, Mátyás. É sobre ter algo que é inerentemente nosso. Herzl vê um futuro onde não seremos estrangeiros. Dizem que ele abandonou sua própria carreira e sua segurança por essa visão.”

Lajos interrompeu: “Mas que visão? Trocar nossos belos palácios vienenses por tendas no deserto? E o alemão, nosso belo idioma alemão? Trocá-lo pelo antigo hebraico?”

Joseph, que estava ouvindo em silêncio, finalmente falou: “Eu amo Viena. Amo a cultura, a música, o alemão. Mas há algo nas palavras de Herzl que ressoa em mim. Não é sobre renunciar a Viena, mas sobre encontrar algo que nos foi tirado: um sentido de pertencer sem a sombra do antissemitismo.”

István olhou pensativo. “Talvez haja alguma verdade nisso. Viena nos deu muito, mas nunca nos permitiu esquecer que somos diferentes.”

Lajos, tomando um gole de seu café, ponderou por um momento antes de dizer: “Vocês já pararam para pensar que talvez, apenas talvez, Herzl esteja se colocando num pedestal? Um jornalista, por talentoso que seja, como líder de todo o povo judeu?”

Matyás assentiu em concordância, seu olhar desafiador fixo em Dovid, que parecia ser o defensor mais fervoroso de Herzl na mesa. “Exatamente! As massas nunca se levantarão por esse sonho. Qual a chance de os judeus de todo o mundo comprarem essa ideia? Lembre-se de que estamos espalhados de Viena a Varsóvia, de Odessa a Londres. Ele espera realmente que todos sigam sua liderança?”

Dovid sorriu, parecendo um pouco divertido com a animosidade dos amigos. “Ah, Matyás, sempre o realista. Mas diga-me, não foi Moisés apenas um homem? E não foi ele, contra todas as probabilidades, quem levou nosso povo para fora do Egito? Às vezes, os sonhos mais utópicos são os que mais precisam ser sonhados.”

István riu, balançando a cabeça: “Quem te viu, quem te vê Dovid! Herzl, o novo Moisés? Mais como o novo messias, ou melhor, o novo rei? Quem sabe ele apareça com uma coroa em nosso próximo encontro!” Os homens riram, embora a risada escondesse uma tensão subjacente.

Joseph interveio, tentando acalmar os ânimos: “Sejamos justos, amigos. Herzl pode ter suas falhas, e certamente sua visão é audaciosa, mas não devemos desconsiderá-la simplesmente porque é grandiosa. A história nos mostrou que são as ideias mais corajosas que moldam o curso dos povos.”

Lajos olhou pensativo para o seu café agora vazio. “Seja como for, está claro que Herzl acendeu uma chama. Apenas o tempo dirá se essa chama se tornará um incêndio ou se apagará no vento da realidade.” Ele se levantou primeiro, ajustando seu chapéu com dignidade. Ao seu lado, István se esticou, sorrindo com cinismo, enquanto Matyás, com um olhar pensativo, se afastava da mesa.

“Vocês dois e seus sonhos,” disse István, dando um tapinha amigável no ombro de Dovid. “Quem sabe, talvez haja alguma verdade nessa loucura sionista.”

Matyás deu um aceno de cabeça em discordância. “Eu olho para nós, judeus iluminados (Maskilim)[i], e tenho certeza de que esta loucura nunca prosperara. Até a próxima, sonhadores.” E com isso, os três homens saíram do café, suas silhuetas desaparecendo lentamente na noite vienense.

À medida que a porta se fechava atrás deles, o ruído das conversas ao redor retomou, mas por um momento, Dovid e Joseph estavam imersos em seu próprio mundo. Foi então que Joseph apontou para Dovid com uma expressão penetrante.

“Dovid, o poeta assimilado vienense que se orgulha de sua erudição e racionalidade. Você, que frequentemente zombava da Torá e de nossas tradições. Não acha irônico que a ideia sionista esteja despertando algo em você? Algo que você pensou ter perdido há muito tempo?”

Dovid pausou, colocando sua taça de vinho na mesa e cruzando os braços. Seus olhos encontraram os de Joseph, e um sorriso de canto de boca surgiu. “Sabe, Joseph, você tem razão. Talvez tenha sido um erro da minha parte zombar da nossa identidade. Mas você também precisa admitir que o sionismo de Herzl não é apenas uma extensão da nossa fé, mas também uma ideia revolucionária, antiga e nova ao mesmo tempo. Ser um povo livre, em nossa terra. Aquela música Hatikva (Esperança) não sai da minha cabeça.”

Ele continuou, agora com uma paixão crescente em sua voz. “Mas Matyás está certo, não são os judeus de Viena que vão se levantar em massa para construir este novo estado. Nós estamos muito confortáveis aqui, rindo de piadas internas, debatendo sobre política e arte, sem um propósito claro. Olhe para todos nós, em nossos ternos finos, sentados neste café chique. Mas eu ouvi falar dos judeus da Europa oriental. Eles são diferentes, mais fervorosos, mais conectados à sua fé e identidade.”

Joseph assentiu, seu olhar intensificando-se. “Então, o que você sugere?”           

Dovid sorriu, a chama do entusiasmo ardendo em seus olhos. “Joseph, devemos viajar para o Oriente. Encontrar esses judeus e trazê-los para o congresso sionista. Eles são a chave. Juntos, podemos tornar o sonho de Herzl uma realidade.”

Joseph riu, batendo nas costas de Dovid. “Nunca pensei que veria o dia em que você, Dovid, o poeta assimilado, seria o maior defensor da causa sionista e até citaria Moisés. Mas, juro por Deus, estou feliz por esse dia ter chegado.”


[i] Os “Maskilim” (Iluminados) foram intelectuais judeus do século XVIII e XIX associados à “Haskalah”, também conhecida como a Iluminação Judaica. Influenciados pelas ideias da Iluminação Europeia, buscaram modernizar a educação e a cultura judaica, promovendo valores seculares, estudos científicos e a integração dos judeus nas sociedades europeias.