Capítulo 12 – O Reino Celestial

Este capítulo é totalmente fruto da minha imaginação e não tem nenhum embasamento rabínico. Apenas utilizei minha criatividade para criar um cenário hipotético utilizando algumas referencias talmúdicas e históricas. Ao leitor mais ortodoxo que sinta-se incomodado com minha ousadia, peço desculpas antecipadamente.

O reino celestial de Shamaim pulsava com cores vibrantes e melodias celestiais. Com uma majestade que ia além da compreensão mortal, nuvens espirituais se moviam lentamente, enquanto a luz das estrelas preenchia cada canto, como se o próprio universo estivesse respirando vida.

Neste reino, os anjos carregavam “O Estado Judeu” de Theodor Herzl, um volume que causou grande agitação no mundo inferior. As figuras emblemáticas da história judaica, que até aquele momento conversavam entre si, voltaram seus olhares para o livro, absorvendo todo seu conteúdo apenas com o olhar.

Avraham, o grande patriarca, disse: “Herzl sonha com um lar para nosso povo disperso. Não é essa a promessa que Deus me fez?”

David HaMelech respondeu, sua harpa silenciosamente ao seu lado: “Mas a que custo? Herzl é um homem do mundo moderno. Ele vê um estado, mas entende o significado da nossa terra prometida e da nossa Torá?”

Do lado oposto do salão, uma figura escura se levantou. Era Achav, o rei infame que levou Israel à idolatria. Com um sorriso arrogante, ele zombou: “Herzl, esse sonhador secular! Ele pensa que pode unir nosso povo? Eu não consegui com força e poder; ele acha que consegue com palavras?”

Moshe Rabeinu, segurando as tábuas da lei, interveio: “O Segundo Templo caiu devido ao ódio infundado entre nós. Se Herzl pode acender a faísca de amor e união, então ele deve ser ouvido.”

Rabi Akiva, com os olhos cheios de lágrimas lembrando seus próprios discípulos, concordou: “Precisamos de ahavat chinam, amor gratuito, agora mais do que nunca.”

Em um canto distante, uma gaiola pendia, abrigando figuras sombrias. Haman, o antagonista de Purim, gritou de sua prisão: “Deixem os judeus se unirem! Seu destino será o mesmo, não importa onde estejam!” Suas palavras foram recebidas com risadas maldosas dos outros residentes da gaiola “O meu filho está para se levantar na Alemanha e a escuridão se aproxima!”.

Nesse momento, um silêncio súbito dominou o céu. O brilho cintilante do Shamaim se apagou brevemente, dando lugar a sombras crescentes que envolviam a todos. Cada ser ali presente sentiu um peso frio, quase palpável. Era como se a própria essência da Galut, o exílio, estivesse se infiltrando no domínio celestial.

Ezequiel, o profeta das visões, levantou-se com uma expressão preocupada. “Estas são as trevas que Herzl tenta combater. A escuridão da Galut (diáspora) que se intensifica antes da alvorada da Geulá (redenção).”

Rabi Yochanan, o grande sábio do Talmud, assentiu e citou: “Assim como a véspera do amanhecer é o período mais escuro da noite, assim será a fase final do exílio para o nosso povo antes da chegada do Mashiach.”

Duas figuras icônicas se levantaram, destacando-se entre as demais. O Gaon de Vilna, com seus traços austeros e olhar penetrante, e o Baal Shem Tov, o fundador do movimento Hassídico, com uma aura de bondade e paixão.

Eles se encararam por um momento, e então o Gaon de Vilna, com uma voz cheia de tristeza, lamentou: “Nossos filhos… eles não conseguiram ver além das diferenças entre nós. A profundidade da Torá que ambos compartilhamos, em nossos próprios caminhos, foi ofuscada pela divisão.”

O Baal Shem Tov, com lágrimas se formando em seus olhos, respondeu: “E assim como eles não conseguiram aceitar a luz que cada um de nós carregava, também estão falhando em aceitar a Herzl e o sionismo. A resistência e o ódio que mostrarão podem alimentar a escuridão que se aproxima.”

Shamai, sempre firme em suas convicções, se levantou com indignação: “Como podemos permitir que esses Kofrim, incrédulos, liderem nosso povo? Talvez seja justo eles que estejam trazendo a escuridão sobre nós!”

Murmúrios de concordância ecoaram pelo salão. Vozes se elevaram, cada uma expressando sua opinião e preocupação. A atmosfera estava carregada de tensão.

Hillel, sempre buscando a paz e a moderação, tentou acalmar os ânimos: “Lembrem-se das palavras de nossos sábios: ‘Estas e estas são as palavras do Deus vivo’. Ambos os caminhos podem levar à verdade. Devemos encontrar uma maneira de unir nossas forças, não nos dividir ainda mais.”

No entanto, as paixões estavam inflamadas. A visão de Herzl, um líder secular tentando reunir o povo judeu, provocou um debate intenso e apaixonado entre as almas reunidas. A divisão entre Am Israel no Shamaim refletia as divisões na Terra.

Na crescente gritaria de vozes e opiniões contrastantes, uma figura se ergueu. Era Yossef, o filho de Jacó, com seu manto multicolorido simbolizando os muitos tons e nuances de sua vida.

“Eu também fui um sonhador”, ele proclamou, “e por meus sonhos, fui rejeitado e incompreendido por meus próprios irmãos. Porém, através da providência divina, aqueles mesmos sonhos se tornaram a salvação de nossa família e de toda a terra do Egito. Herzl, com seus sonhos, pode estar desempenhando um papel semelhante, moldado pelos próprios desígnios de Deus. Quem sabe ele não é o meu escolhido?”

Assim que Yossef terminou de falar, o salão foi envolvido por um silêncio tão profundo que parecia que o próprio tempo havia parado. Uma figura misteriosa, vestida de branco com um capuz cobrindo o rosto, emergiu lentamente das sombras do fundo da sala. Cada passo que ela dava parecia ser acompanhado por uma melodia etérea, fazendo com que todos os presentes se sentissem em reverência.

Conforme a figura se aproximava, uma luz brilhante e dourada, a Shechiná, desceu dos céus, envolvendo o salão com sua presença calorosa e tranquilizadora. A sensação era palpável; todos sabiam que estavam na presença de algo grandioso.         

O encapuzado revelou seu rosto, e uma onda de reconhecimento se espalhou entre os presentes. Os olhos que contemplaram a todos eram antigos e sábios, mas também cheios de vigor e esperança. Não havia dúvidas. Era ele, o Melech Mashiach, o tão esperado redentor do povo judeu.

“Atchalat Hagueula,” ele anunciou com uma voz que ecoou tanto autoridade quanto ternura. “O início da redenção. Am Yisrael precisa se unir novamente como um povo.”

Ele olhou ao redor, encontrando os olhos de cada figura icônica presente. “Não percebem? Mesmo aqui, no Shamaim, estamos divididos em opinião e propósito. Olhem para a Terra e vejam como nosso povo está fragmentado. Retornar à nossa terra e reunir-se como uma nação não será uma tarefa fácil, especialmente quando enfrentamos divisões tão profundas. Mas este é o caminho que Deus traçou para nós. Precisamos seguir juntos, apoiando uns aos outros em cada passo do caminho.”

À medida que o Melech Mashiach falava, uma atmosfera de intensa emoção tomou conta do salão. Subitamente, o chão celestial pareceu vibrar com um poder incomparável, e ecos de vozes antigas emergiram das profundezas do Shamaim.

Primeiro, um murmúrio baixo e lamentoso, quase inaudível, começou a ressoar. Era o choro daqueles que haviam sido vítimas dos pogroms, vozes que haviam sido silenciadas prematuramente por ódio irracional. Em seguida, vozes mais altas e desesperadas se juntaram ao coro, gritando em agonia. Eram as almas daqueles que foram torturados e queimados vivos durante a Inquisição, clamando por justiça e redenção. Os gritos aumentaram, tornando-se uma junção de vozes de todos Iehudim que fizeram o sacrifício supremo, morrer Al Kidush Hashem (em santificação de Deus). Vozes de todas as línguas e lugares da Terra — desde as vielas escuras da Europa até as areias do Saara, dos recônditos da América até os vales da Ásia — uniram-se em um clamor arrepiante, todas vítimas de um único crime: o simples ato de ser judeu.

Mas, então, algo notável aconteceu. As vozes se fundiram em uma única melodia, forte e decidida, cantando: “Seremos um povo livre, um povo livre em nossa terra!”

No salão, uma onda de conexão começou a se formar, uma energia tão vibrante e tangível que parecia tocar a alma de cada presente. As vozes começaram a convergir, elevando-se em um harmonioso coro celestial que reverberava com uma fervorosa paixão. E no ápice desse momento transcendental, desde os patriarcas aos profetas, dos reis aos mais humildes, todos, em uníssono, proclamaram com convicção e fé:

שְׁמַע יִשְׂרָאֵל יְהוָה אֱלֹהֵינוּ יְהוָה אֶחָֽד  – Ouve, Israel: O Senhor é nosso Deus, o Senhor é um.

E, do alto, uma voz imponente, profunda e reconhecível respondeu, preenchendo todo o Shamaim com sua majestade:

וְעָשִׂיתִים לְגוֹי אֶחָד בָּאָרֶץ – e eu farei de vocês uma nação única na terra.

UM POVO.